domingo, 27 de maio de 2012

29.06 - Armando Freitas Filho

a) Bibliografia on-line:
BUARQUE, Heloisa Buarque de. "longa vida, o poema". Acesso: <http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=591>


MORICONI, Italo. "3x4: poesia à beira do abismo". In: Matraga, ano I, Rio de Janeiro: nov. de 1996. Acesso: <http://www.pgletras.uerj.br/matraga/matraga00/matraga0a07.pdf>


PENNA, João Camillo. "Acontece?". In: Alea: Estudos neolatinos. Rio de Janeiro: UFRJ, jan-jul de 2003. Acesso: <http://www.scielo.br/pdf/alea/v5n1/20350.pdf>


b) Entrevista (Vereda Literária, 2000):
http://www.youtube.com/watch?v=rCEOd1ThIHE


c) Poemas:




ESCRITURA


No escuro eu não apuro
o que de você existe entrelaçado
neste muro: no escuro o que procuro
é a cruz do seu corpo, a cicatriza
o punho, a palma no instante
da abertura, o espaço tão vazio
onde situo, a perda, a ruptura
a veia degolada, e gota a gota
o inútil rumo do meu sangue:
um derrame de ramos feito de sussurros 

e esta ferida que não pára
e que tanto me custa descrevê-la
e quanto mais eu grito, mais ela fura: 

sanha, descostura de mim – amor
eu sangro aqui, sob a lâmina
de sua fala, assim, punhal
palavra que não seguro e se enterra
até o fundo, até o cabo, em toda a treva 

e na esplanada de areia da memória
o que escrevo é somente um risco
um corte que a lembrança acorda
ou este acorde que suas garras tocam. 



(in De corpo presente, 1975)


*




Quem escreviver verá 
a vida voando
lá fora...............em versos livres
e brancos
enquanto aqui dentro
os exércitos da imaginação 
combatendo na sombra 
marcham para a derrota
e são comidos
até o fim pelos cupins 
pelas traças
e tudo será
uma página virada
do dilúvio
...............e depois
há muitos carnavais
quem escreve sempre alcança 
a quem?
...............O quê?

(in longa vida, 1982)



*




Abrir os pulsos 
......... as gavetas
e cortar as veias
enquanto é tempo
de salvar a vida
e impedir que o poema 
caia
................em si mesmo
como os repuxos, os reflexos

os anúncios
luminosos
que trabalham sempre
com a mesma água
sem o risco das hemorragias.

(in 3x4, 1985) 

*

LUVA DE BOXE

Muito cabelo. Negro
secreto.
..................... Pés de megera

de tanto ódio.


Chupar tudo – todo veneno 
sem ter medo de ser tão sujo. 
Ir no escuro
...............rasgando o vermelho 
chumbo certeiro até o fundo.


E mordendo forte
os próprios dentes
as unhas pretas
o último osso.



Enxugando a pele
até a ferida
para que o sangue suba 

e então transborde 
com tamanha culpa.


Amor. Todos os golpes
de mão fechada no mesmo ponto 

para acabar matando
os que têm seu nome.


(in De cor, 1988)



*



OLHE PARA TRÁS, COM RAIVA


Cara, ainda em vida, comendo
a carne de rato do próprio rosto.
Cabeça de um, hirsuta, rabo melado
do outro, alternando-se nas pontas
de um corpo imprestável que se rói
por fora. Calda, gritantemente doce! 

Néctar não há que alcance, alimente
e cale o arrepio da fome açucarada
que já apodrece o focinho que se volta 

morde, bebe e vive de sua cauda pegajosa.


(in Duplo Cego, 1997) 


*


CAÇAR EM VÃO



Às vezes escreve-se a cavalo. 
Arremetendo, com toda a carga. 
Saltando obstáculos ou não. 
Atropelando tudo, passando
por cima sem puxar o freio –
a galope – no susto, disparado 

sobre as pedras, fora da margem 
feito só de patas, sem cabeça 
nem tempo de ler no pensamento 
o que corre ou o que empaca: 
sem ter a calma e o cálculo
de quem colhe e cata feijão.



(in Fio terra, 2000) 


*




EMULAÇÃO
 
Sua morte empurrou minha mão.
Sua mão pesa sobre a minha
e a faz escrever com ela
não como luva de outra pele
mas como enxerto de outra carne
emperrada, como a vida dela
que parou, e vai apodrecendo
dentro da minha, suando suor igual. 

(in Raro mar, 2006)


d) Poema inédito do poeta no blog do Instituto Moreira Salles: 
http://blogdoims.uol.com.br/ims/c-d-atlantico-por-armando-freitas-filho/



terça-feira, 15 de maio de 2012

Aula de 22.05 - Afonso Henriques Neto (texto de apoio)

Para baixar os slides apresentados em aula, clique aqui.

Inventário de ruínas – a questão da herança literária na poesia de Afonso Henriques Neto

Andréa Catrópa da Silva



A alegoria de Afonso Henriques é fortemente evocativa, uma espécie de inventário de ruínas – familiares, ideológicas, pessoais. (...) O mundo está degradado, mas ainda vale a pena: o poeta retira da visão desencantada o móvel para repropor o sonho. (...) A poesia, sendo sonho, é ainda a ponte que possibilita o trânsito entre o poeta e o mundo.
Cacaso



Na observação de Cacaso acerca de um poeta seu contemporâneo, também relacionado na década de 70 à euforia e ao estardalhaço promovidos pela “poesia marginal” carioca, há uma aguda percepção dos paradoxos e das descontinuidades que alimentam a obra de Afonso Henriques Neto, desde o primeiro livro, O Misterioso Ladrão de Tenerife (1972), até sua mais recente publicação, Cidade Vertigem (2005).
A heterogeneidade de sua poesia é uma constante, por mais irônica que possa parecer esta afirmação, e dificulta tanto a empatia imediata com o leitor como a tarefa do crítico. Em muitos de seus poemas, predominam os versos “caudalosos”, que apresentam uma torrente de imagens oníricas ou desconexas e figuram uma realidade caótica, mais próxima, talvez, do pesadelo do que do sonho. No entanto, nesses poemas, há um vislumbre de esperança, que se intromete no texto pelas pequenas frestas nele abertas por imagens intensamente líricas, que valorizam a especificidade do poético, como em “Texto” (AUGUSTO; HENRIQUES NETO, 1972, P.21):


“Oh espina clavada em el hueso
  Hasta que se oxidem los planetas
(Federico Garcia Lorca)

O texto, escura escama, pesadelo de eternidade,
máscara densa do universo vomitando.
O texto, mas não a energia que o pensou,
interrogando a simultaneidade absoluta.
Há uma esperança nas ruas, nas pedras, no acaso
de tudo, uma esperança, uma forma suspensa
entre o aparente e a essência, entre o que vemos
e a substância, uma esperança, uma certeza talvez
de que o rio não se dissolva no mar, de que
o ínfimo, o precário, a voz, a sombra,
o estalar das carnes na explosão
não se dispersem no todo, impensável medusa da inexistência.
Há uma luz qualquer sonhando integração, o suposto
destino dos ventos, das energias globais, a suposta
sabedoria com que o homem fecundou a crosta
envenenada do planeta, há uma luz qualquer
ensaiando águas pensadas no eterno esvair-se,
abstrato expansionário, há uns olhos além
da frágil realidade, da terrível matança, da
cruel carnificina entre seres pestilentos aquém
da fronteira do sonho, um texto além do texto,
uma esperança talvez, enquanto somos e nos cumprimos,
enquanto somos e nos oxidamos, enquanto
somos e prosseguimos.


(Este texto foi apresentado no Congresso Abralic, em 2006. Para continuar lendo, é só clicar aqui e baixá-lo.)
http://www.4shared.com/office/3IJvo-qo/ahnandreacatropa.html