domingo, 22 de abril de 2012

Aula 3 - José Paulo Paes

Aula 3 - José Paulo Paes

Poemas vistos na aula:

EPITÁFIO PARA UM BANQUEIRO
n e g ó c i o
  e g o
       ó c i o
          c i o
               0

EXERCÍCIO ORTOGRÁFICO
metafísica
metaphysica
metaphtysica

OCIDENTAL
a missa
a miss
o míssil

À MODA DA CASA
feijoada
marmelada
goleada
quartelada

CRONOLOGIA
A.C.
D.C.
W.C.

------------------------------------------------
CANÇÃO DO EXÍLIO FACILITADA lá?
ah!

sabiá...
papá...
maná
sofá...
sinhá...

cá?
bah!

OLÍMPICA

ufa ufa ufa ufa
por ufa ufa ufa
ufa que ufa  ufa
ufa  ufa me ufa
ufa  ufa  ufa ufa
no  ufa  ufa  ufa
ufa  do  ufa  ufa 
ufa   ufa  meu  pa
ufa   ufa  ufa  pa
ís   ufa   uff    fff

SEU METALÉXICO
Economiopia
Desenvolvimentir
Utopiada
Consumidoidos
Patriotários
Suicidadãos

___________________________
O LIBERTADOR
   frei          id
         freiid
         freud

UM SONHO AMERICANO
CIA ilimitada
LAR
espaço que separa
o volkswagen
da televisão

NEOPAULÍSTICA
pelo mesmo Tietê
onde outrora viajavam
bandeirantes heris

só viajam agora
os dejetos: bandeira
de seus filhos fabris

---------------------------------------
O POETA AO ESPELHO, BARBEANDO-SE

o rito
do dia
o ríctus
do dia
o risco
do dia
EU?
UE?
olho
por olho
dente
por dente
ruga
por ruga
EU?
UE?
o fio
da barba
o fio
da navalha
a vida
por um fio
EU?
UE?
mas a barba
feita
a máscara
refeita
mais um dia
aceita
EU
EU
ENTROPIA
não que a chama não
queime a luz perdesse      
razão de iluminar

não que a boca não
morda ao fruto falte
o bíblico sabor

mas e a crescente
sensação de morno?
o ver sem ver? Um fel

vagomelancólico
a perturbar agora
a digestão de adão?

SALDO

     a torneira seca
     (mas pior: a falta
     de sede)

     a luz apagada
     (mas pior: o gosto
     do escuro)

     a porta fechada
     (mas pior: a chave
     por dentro)
______________________________

ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA
a poesia está morta

mas juro que não fui eu

eu até que tentei fazer o melhor que podia para salvá-la

imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres carlos drummond de andrade manuel bandeira murilo
mendes vladmir maiakóvski joão cabral de melo netopaul éluard oswald de andrade guillaume appolinaire sosígenes costa bertolt brecht augusto de campos

não adiantou nada

em desespero de causa cheguei a imitar um certo (ou incerto) josé paulo paes poeta de ribeirãozinho estrada de ferro araraquarense

porém ribeirãozinho mudou de nome a estrada de ferro araraquarense foi extinta e josé paulo paes parece
nunca ter existido

nem eu


À MINHA PERNA ESQUERDA
1
Pernas
para que vos quero?

Se já não tenho
por que dançar.

Se já não pretendo
ir a parte alguma.

Pernas?
Basta uma.

2
Desço
           que                                subo
                     desço        que
                             subo
                            camas
                           imensas.

Aonde me levas
todas as noites
                              pé morto
                              pé morto?
Corro, entre fezes
de infância, lençóis
hospitalares, as ruas
de uma cidade que não dorme
e onde vozes barrocas
enchem o ar
de p
     a
     i
     n
     a sufocante
e o amigo sem corpo
zomba dos amantes
a rolar na relva.
 
Por que me deixaste
                    pé morto
                    pé morto
a sangrar no meio
de tão grande sertão?
                   não
                   n ã o
                   N Ã O !   

4
Dizem que ontem à noite um inexplicável morcego assustou os pacientes da enfermaria geral.

Dizem que hoje de manhã todos os vidros do ambulatório apareceram inexplicavelmente sem tampa, os rolos de gaze todos sujos de vermelho.

5
Chegou a hora
de nos despedirmos
um do outro, minha cara
data vermibus
perna esquerda.
A las doce en punto
de la tarde
vão nos separar
ad eternitatem.
Pudicamente envolta
num trapo de pano
vão te levar
da sala de cirurgia
para algum outro (cemitério
ou lata de lixo
que importa?) lugar
onde ficarás à espera
a seu tempo e hora
do restante  de nós.

6
esquerda            direita
esquerda            direita
                           direita
                           direita
Nenhuma perna
é eterna.       
7
Longe
do corpo
terás
doravante
de caminhar sozinha
até o dia do Juízo.
Não há
pressa
nem o que temer:
haveremos
de oportunamente
te alcançar.

Na pior das hipótese
se chegares
antes de nós
diante do Juiz
coragem:
não tens culpa
(lembra-te)
de nada.

Os maus passos
quem os deu na vida
foi a arrogância
da cabeça
a afoiteza
das glândulas
a incurável cegueira
do coração.
Os tropeços
deu-os a alma
ignorante dos buracos
da estrada
das armadilhas
do mundo.
Mas não te preocupes
que no instante final
estaremos juntos

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Início do curso



Abaixo, algumas imagens das publicações alternativas dos anos 70. E neste site, há material interessante: http://tropicalia.com.br/v1/site/internas/marginalia.php

 Jornal Dobrabil  (1977-1981)- Glauco Mattoso



O misterioso ladrão de Tenerife (1972)- Afonso Henriques Neto e Eudoro Augusto



Os últimos dias de paupéria (1984). Torquato Neto. Org. Ana Maria Silva Duarte e Waly Salomão



                              Navilouca (1972/1974). Idealizada por Torquato Neto e Waly Salomão



Em nossa primeira aula, Viviana Bosi afirmou que - mesmo negando as vertentes engajadas dos anos 60 e refutando a ideia progressista embutida no projeto da vanguarda concreta - o fenômeno literário conhecido como "poesia marginal" guarda um ponto de convergência com as correntes literárias das décadas precedentes: o empenho em ampliar o seu público leitor. Especificamente na década de 70, entre os jovens poetas da "geração mimeógrafo" (expressão que aludia á recorrência usual a formas de publicação alternativas ao sistema editorial consagrado) esse empenho traduziu-se pela forma alternativa de publicação e distribuição de textos (vendidos em portas de bares, cinemas, teatros etc.), mas também no estilo coloquial e nos temas cotidianos que davam o tom de parte dessa poesia.

Apesar desse ter sido o fenômeno coletivo que tem recebido mais destaque da crítica literária na última década, outro aspecto ressaltado foi o de que nem todos os autores do período circunscreveram-se nessa forma de produção. Nomes como Ferreira Gullar, José Paulo Paes, Sebastião Uchôa Leite, Hilda Hilst, por exemplo, receberam as influências típicas do momento histórico- contracultura, ditadura militar, tropicália, cinema novo, a redescoberta do primeiro modernismo, entre tantas outras - de forma peculiar e produziram obras que dialogam com essas circunstâncias, sem terem se aproximado estilisticamente dos resultados poéticos dos "marginais".

A diversidade da produção cultural dos anos 70, as relações intrincadas, entre arte experimental e entretenimento de massa, o jogo complexo dos grandes meios de comunicação tornando-se cada vez mais influentes na produção cultural do país também foram mencionados por Viviana. Esses temas serão retomados nas próximas aulas, quando serão abordadas as produções poéticas de determinados autores desse período, com análise de alguns dos respectivos textos.