terça-feira, 15 de maio de 2012

Aula de 22.05 - Afonso Henriques Neto (texto de apoio)

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Inventário de ruínas – a questão da herança literária na poesia de Afonso Henriques Neto

Andréa Catrópa da Silva



A alegoria de Afonso Henriques é fortemente evocativa, uma espécie de inventário de ruínas – familiares, ideológicas, pessoais. (...) O mundo está degradado, mas ainda vale a pena: o poeta retira da visão desencantada o móvel para repropor o sonho. (...) A poesia, sendo sonho, é ainda a ponte que possibilita o trânsito entre o poeta e o mundo.
Cacaso



Na observação de Cacaso acerca de um poeta seu contemporâneo, também relacionado na década de 70 à euforia e ao estardalhaço promovidos pela “poesia marginal” carioca, há uma aguda percepção dos paradoxos e das descontinuidades que alimentam a obra de Afonso Henriques Neto, desde o primeiro livro, O Misterioso Ladrão de Tenerife (1972), até sua mais recente publicação, Cidade Vertigem (2005).
A heterogeneidade de sua poesia é uma constante, por mais irônica que possa parecer esta afirmação, e dificulta tanto a empatia imediata com o leitor como a tarefa do crítico. Em muitos de seus poemas, predominam os versos “caudalosos”, que apresentam uma torrente de imagens oníricas ou desconexas e figuram uma realidade caótica, mais próxima, talvez, do pesadelo do que do sonho. No entanto, nesses poemas, há um vislumbre de esperança, que se intromete no texto pelas pequenas frestas nele abertas por imagens intensamente líricas, que valorizam a especificidade do poético, como em “Texto” (AUGUSTO; HENRIQUES NETO, 1972, P.21):


“Oh espina clavada em el hueso
  Hasta que se oxidem los planetas
(Federico Garcia Lorca)

O texto, escura escama, pesadelo de eternidade,
máscara densa do universo vomitando.
O texto, mas não a energia que o pensou,
interrogando a simultaneidade absoluta.
Há uma esperança nas ruas, nas pedras, no acaso
de tudo, uma esperança, uma forma suspensa
entre o aparente e a essência, entre o que vemos
e a substância, uma esperança, uma certeza talvez
de que o rio não se dissolva no mar, de que
o ínfimo, o precário, a voz, a sombra,
o estalar das carnes na explosão
não se dispersem no todo, impensável medusa da inexistência.
Há uma luz qualquer sonhando integração, o suposto
destino dos ventos, das energias globais, a suposta
sabedoria com que o homem fecundou a crosta
envenenada do planeta, há uma luz qualquer
ensaiando águas pensadas no eterno esvair-se,
abstrato expansionário, há uns olhos além
da frágil realidade, da terrível matança, da
cruel carnificina entre seres pestilentos aquém
da fronteira do sonho, um texto além do texto,
uma esperança talvez, enquanto somos e nos cumprimos,
enquanto somos e nos oxidamos, enquanto
somos e prosseguimos.


(Este texto foi apresentado no Congresso Abralic, em 2006. Para continuar lendo, é só clicar aqui e baixá-lo.)
http://www.4shared.com/office/3IJvo-qo/ahnandreacatropa.html

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