Dia 15.05 - Ministrante: Lucius Provase
O problema da História na Literatura Comparada e na Teoria
Literária vai além de contextos históricos distintos que se confrontam em
intertextos ou interdiscursos: passa pelo problema de como considerar esses
contextos na análise de uma obra, gerando historicidades distorcidas. Galáxias é, certamente, uma das obras que faz
dessa dificuldade o cerne de sua escrita e leitura. Analisar a obra-prima de
Haroldo de Campos sob o prisma das historicidades distorcidas será o objetivo
da aula.
calças cor de abóbora e jaqueta
lilás negros de chocolate um matiz
carregado de cacau e
esgalguecéleres num passo de zulus guerreiros
ou então uma gravata dourada
fosforesce na camisa anil e lapelas amarelas
esquadram um tórax dobradiço de
boxeur a massa branca passa a massamédia
vil e taciturna num mesmo coalho
cinzaneutro de trajes turvos truncos
e soul brother temple girl soul soul brother soul sister old black
brother manny moe and jack um
tufão pugilista esmurrara os prédios na
rua 13 ou na rua 14 e poupara
somente as vitrinas de garranchos brancos
think black talk black act black love black economize black politicize
black live black todas as cores
rodeiam o sol central furor negro
que transverbera em pantera e as
sintetiza de novo em negro pague um
dólar aqui e você verá as duas
moças mecânicas minnie branca e gorducha
rubicona em calcinhas de
filandras azuis olhibúfala era uma vaca mansa
de peitos pop gigantes gigânteos
agitá-los só isso que sabia batedeira
elétrica carambolá-los num bilhar
de bólides molas e súbito tesa
pará-los no freio de um joelho
metido entresseios ou de quatro quase
no chão deixando-os despencar
como úberes ordenháveis para o olhar
urrante e suarento das mesas
próximas cara láctea de bebê loiro e franjas
mas a outra jessie a negra tinha
malquebros de pantera na pele
tabaco-escura e os dentes de
sabre mordiam um guincho sensual no rebôlo
da eletrola vê-la empinar
agressiva seu número e riscar o hálito
suspenso dos machos onanizados
com saltos de verniz agudo maquilada
de luz a cútis fogo-fátua
incandescia carbúnculo-negra negríssima
nigérrima e o biquíni topázio
saltava em close-up êmbolo autônomo móbile
tatalava a bengala pendurada pelo
cabo no rego do soutien bengalava
titilante jato falo de prata
negaceado por um pélvis topázio
o grande nu americano é uma
salada de frutas com mamilos de borracha
rosas frescas um tomate-maçã no
ventre ligas alfaces verdes e açúcar
e a boca vagino-aberta baton
cintilante nos grão-lábios vegetarianos
segal modelou aquele homem de
gesso fantasma alvaiade bebendo coca-cola
i'm the only president you’ve got l.b.j. crocodilágrimo metido
na farda de mao-tse-tung ou
melhor no bestiário de ramparts mas ele
está também numa vitrina de
greenwich sob a tampa de uma privada op
este livro de notas de notas para
o livro foi encontrado na cafeteria
de bloomington retifico nos
achados e perdidos entre luvas carretéis
e até grampos de cabelo sob o
olhar zelador de uma velha matrona
tricotante quando eu já o pensava
na poeira dos anéis de saturno
a velhota curiosa não pudera
lê-lo meu portulano em lingua morta
por trás do imenso hamburger com
chagas de mostarda e ketchup é
possível que se aviste a mandala
o om o centro o umbigo de tudo é
possível dançam por isto numa
praça do dupont circle a bacante hippie
de trancas sujas e o fauno de
calças rancheiras por isto dançam ao
ritmo de bongós vibrados por
zulus da rua 13 ou 14 lá pelas quatro da
tarde todas as velhas senhoras
solitárias enchem a cara nos escritórios
de washington tulipas nas praças desenhadas vigiam
um cio de esquilos
eu sei que este papel está aqui e
que não haverá ninguém nenhum outro
nunca nenhures em nenhuma outra
parte ninguém para preenchê-lo em meu
lugar e isto poderá ser o fim do
jogo mas não haverá prelúdio nem
interlúdio nem poslúdio neste jogo
em que enfim estou a sós nada conta
senão esta minha gana de cobrir
este papel como se cobre um corpo e
estou só e sôlto nato e morto
nulo e outro neste afinal instante lance
em que me entrego todo porque
este é o meu troco e são vinte anos vinte
anos luz de jejum e desconto de
silêncio e demência deste ponto oco
deste tiro seco abrindo para um
beco que se fecha no beco no fio violeta
de um crepúsculo de nuvens
ordenhadas vejo tudo e traduzo em escritura
esta fita visível que pende da
janela por um aéreo debrum de voltas
remansosas uma casa outra casa o
asfalto que desliza por suas raias
grafite esta cidade se esponja
como um resto de almoço escorrido em
jornal e no alto se apura em pós
e brilhos por um ladrilho de sol
em vidrilhos vibrados esta cidade
é um resto é uma cola de outubro
uma goma canicular de envelopes
desgrudados e pega neste papel o dócil
papel onde começo meu conto não
começo resumo meu espanto num ponto
de papel machucado e sensível
como uma ferida de vida aberta e úmida
nada conta senão esta gana esta
língua canina áspera que cobre a
ferida de saliva por onde escorre
vida e amaranto azul e um prataplenilúnio
infletem nesse fio de vida
galinhas depenadas num açougue
de quartos bovinos bicos cristas
despencadas entre pele e gordura
amarela agora dentro de uma
esfera de plástico irradiante marrom-rubra
enquanto vozes tilintam e o gelo
se dissolve em copos de cristal
a moça vem vestida de vidro verde
e coloca dois ratinhos brancos num
tufo de pentelhos o livro poderia
estar sendo lido agora por uma
voz tão clara que o som gelaria
crisálidas de luz lapidada mas tudo
isto não passa do eco fechado na
palavra beco e se vai ver não há nada
nada senão papel murcho e marcado
papel pisado esfolado pendendo de
um gancho entre esperma e gordura
bovina uma prosa feita de limalha de
prosa barbarela guincha
tumultulúbrica neste paradiso psicodélico
que confina com um inferno de
moscas murchas e borboletas empaladas
borborigmam cores magmárcidas
nesta viscosa placenta do nada
medida por um compasso de coxas branquilongas
muslos dançarinos
mordidos por bonecas de
dentes-de-sabre vampirogulosas bâmbolas bambinas
farejadoras de carne crua e de
novo pende a fita luminosa de novo
a lesma do sol se escorre no
asfalto grafite e da janela um olhar
translitera este fio de escrita
em morse visível quero dizer que
tudo isto é uma tradução um
traduzir para um modo sensível onde algo
se encadeie e complete esta mão
do jogo quase se perfez e ainda se
pode ver barbarela estorcendo-se
num círculo fálico como um xiva
de luz neon pouco se vai aprender
nesta anarcopédia de formas
volúveis senão que o vermelho útil funge os nácares
cediços