domingo, 25 de março de 2012

Aula 1 - Panorama inicial

Dia 10.04 - Ministrante: Viviana Bosi

Nesta aula, introduziremos o contexto histórico e cultural que caracteriza a década de 70 no Brasil, de forma a compreender as tendências poéticas que então se delineavam.

Aula 2 - Francisco Alvim


Dia 17.04 - Ministrante: André Goldfeder

Fruto do entroncamento de fontes várias, a obra poética de Francisco Alvim (1937) parte de respostas às questões mais centrais do debate poético dos anos 1970 no Brasil e segue sedimentando um projeto singular a partir do móbil inicial. Esta aula pretende discutir um aspecto recorrentemente contemplado por sua fortuna crítica, referente à articulação entre as dimensões “lírica” e “objetiva/dramática” dessa poesia. Partir de um olhar mais detido acerca da primeira delas pode ser um mote interessante para vislumbrar os traços do conjunto da obra.





Não posso pensar cada instante de minha vida
                                   numa palavra
                                   Não posso mas é o que gostaria de fazer
                                   Sei que a vida não me vive para se ter escrita
                                   me vive para me ter vivido
                                   Sei disso mas é como se num lago muito calmo
                                   onde a chuva caísse mansamente
                                   e em cada círculo na água um outro (o mesmo) lago
                                   onde chovesse
                                                                                 
                                                                                 



                                               OLHAR
           
                                    Sombra de nuvem no lago

                                    Um arco
                                    de luz se abre

                                    Tarde imóvel que voa

                                    Na sala
                                    em que ela está
                                    bela
                                    bela como a neve dos Andes
                                    horizontes extensos
                                    umidade dos montes

                                                          

Aula 3 - A poesia de José Paulo Paes nos anos 70


Dia: 24.04 - Ministrante: Sérgio Guilherme Cabral Bento 

Nos dois livros que publicou na década de 70, José Paulo Paes mantém a verve epigramática e o refinado manejo da linguagem poética, rigor esse que o contrapõe à liberdade e à espontaneidade propostas pelos poetas marginais, geração marcante no período. Nesta aula tal contraste será explorado.

SEU METALÉXICO
economiopia
desenvolvimentir
utopiada
consumidoidos
patriotários
suicidadãos







"Saldo"

a torneira seca
(mas pior: a falta
de sede)
a luz apagada
(mas pior: o gosto
do escuro)
a porta fechada
(mas pior: a chave
por dentro)

Aula 4 - A explosão da enunciação: Waly Salomão e a poesia dos anos 70


Dia 08.05 - Ministrante: Roberto Zular

A aula visa estudar a produção de Waly nos anos 70, especialmente o "Me segura qu'eu vou dar um troço" e os "Babilaques", procurando traçar sua estratégia enunciativa e a historicidade que ela carrega".



Aula 5 - Milumtempos de milumpoemas: historicidades distorcidas em Galáxias


Dia 15.05 - Ministrante: Lucius Provase 

O problema da História na Literatura Comparada e na Teoria Literária vai além de contextos históricos distintos que se confrontam em intertextos ou interdiscursos: passa pelo problema de como considerar esses contextos na análise de uma obra, gerando historicidades distorcidas. Galáxias é, certamente, uma das obras que faz dessa dificuldade o cerne de sua escrita e leitura. Analisar a obra-prima de Haroldo de Campos sob o prisma das historicidades distorcidas será o objetivo da aula.


calças cor de abóbora e jaqueta lilás negros de chocolate um matiz
carregado de cacau e esgalguecéleres num passo de zulus guerreiros
ou então uma gravata dourada fosforesce na camisa anil e lapelas amarelas
esquadram um tórax dobradiço de boxeur a massa branca passa a massamédia
vil e taciturna num mesmo coalho cinzaneutro de trajes turvos truncos
e soul brother temple girl soul soul brother soul sister old black
brother manny moe and jack um tufão pugilista esmurrara os prédios na
rua 13 ou na rua 14 e poupara somente as vitrinas de garranchos brancos
think black talk black act black love black economize black politicize
black live black todas as cores rodeiam o sol central furor negro
que transverbera em pantera e as sintetiza de novo em negro pague um
dólar aqui e você verá as duas moças mecânicas minnie branca e gorducha
rubicona em calcinhas de filandras azuis olhibúfala era uma vaca mansa
de peitos pop gigantes gigânteos agitá-los só isso que sabia batedeira
elétrica carambolá-los num bilhar de bólides molas e súbito tesa
pará-los no freio de um joelho metido entresseios ou de quatro quase
no chão deixando-os despencar como úberes ordenháveis para o olhar
urrante e suarento das mesas próximas cara láctea de bebê loiro e franjas
mas a outra jessie a negra tinha malquebros de pantera na pele
tabaco-escura e os dentes de sabre mordiam um guincho sensual no rebôlo
da eletrola vê-la empinar agressiva seu número e riscar o hálito
suspenso dos machos onanizados com saltos de verniz agudo maquilada
de luz a cútis fogo-fátua incandescia carbúnculo-negra negríssima
nigérrima e o biquíni topázio saltava em close-up êmbolo autônomo móbile
tatalava a bengala pendurada pelo cabo no rego do soutien bengalava
titilante jato falo de prata negaceado por um pélvis topázio
o grande nu americano é uma salada de frutas com mamilos de borracha
rosas frescas um tomate-maçã no ventre ligas alfaces verdes e açúcar
e a boca vagino-aberta baton cintilante nos grão-lábios vegetarianos
segal modelou aquele homem de gesso fantasma alvaiade bebendo coca-cola
i'm the only president you’ve got l.b.j. crocodilágrimo metido
na farda de mao-tse-tung ou melhor no bestiário de ramparts mas ele
está também numa vitrina de greenwich sob a tampa de uma privada op
este livro de notas de notas para o livro foi encontrado na cafeteria
de bloomington retifico nos achados e perdidos entre luvas carretéis
e até grampos de cabelo sob o olhar zelador de uma velha matrona
tricotante quando eu já o pensava na poeira dos anéis de saturno
a velhota curiosa não pudera lê-lo meu portulano em lingua morta
por trás do imenso hamburger com chagas de mostarda e ketchup é
possível que se aviste a mandala o om o centro o umbigo de tudo é
possível dançam por isto numa praça do dupont circle a bacante hippie
de trancas sujas e o fauno de calças rancheiras por isto dançam ao
ritmo de bongós vibrados por zulus da rua 13 ou 14 lá pelas quatro da
tarde todas as velhas senhoras solitárias enchem a cara nos escritórios
de washington tulipas nas praças desenhadas vigiam um cio de esquilos



eu sei que este papel está aqui e que não haverá ninguém nenhum outro
nunca nenhures em nenhuma outra parte ninguém para preenchê-lo em meu
lugar e isto poderá ser o fim do jogo mas não haverá prelúdio nem
interlúdio nem poslúdio neste jogo em que enfim estou a sós nada conta
senão esta minha gana de cobrir este papel como se cobre um corpo e
estou só e sôlto nato e morto nulo e outro neste afinal instante lance
em que me entrego todo porque este é o meu troco e são vinte anos vinte
anos luz de jejum e desconto de silêncio e demência deste ponto oco
deste tiro seco abrindo para um beco que se fecha no beco no fio violeta
de um crepúsculo de nuvens ordenhadas vejo tudo e traduzo em escritura
esta fita visível que pende da janela por um aéreo debrum de voltas
remansosas uma casa outra casa o asfalto que desliza por suas raias
grafite esta cidade se esponja como um resto de almoço escorrido em
jornal e no alto se apura em pós e brilhos por um ladrilho de sol
em vidrilhos vibrados esta cidade é um resto é uma cola de outubro
uma goma canicular de envelopes desgrudados e pega neste papel o dócil
papel onde começo meu conto não começo resumo meu espanto num ponto
de papel machucado e sensível como uma ferida de vida aberta e úmida
nada conta senão esta gana esta língua canina áspera que cobre a
ferida de saliva por onde escorre vida e amaranto azul e um prataplenilúnio
infletem nesse fio de vida galinhas depenadas num açougue
de quartos bovinos bicos cristas despencadas entre pele e gordura
amarela agora dentro de uma esfera de plástico irradiante marrom-rubra
enquanto vozes tilintam e o gelo se dissolve em copos de cristal
a moça vem vestida de vidro verde e coloca dois ratinhos brancos num
tufo de pentelhos o livro poderia estar sendo lido agora por uma
voz tão clara que o som gelaria crisálidas de luz lapidada mas tudo
isto não passa do eco fechado na palavra beco e se vai ver não há nada
nada senão papel murcho e marcado papel pisado esfolado pendendo de
um gancho entre esperma e gordura bovina uma prosa feita de limalha de
prosa barbarela guincha tumultulúbrica neste paradiso psicodélico
que confina com um inferno de moscas murchas e borboletas empaladas
borborigmam cores magmárcidas nesta viscosa placenta do nada
medida por um compasso de coxas branquilongas muslos dançarinos
mordidos por bonecas de dentes-de-sabre vampirogulosas bâmbolas bambinas
farejadoras de carne crua e de novo pende a fita luminosa de novo
a lesma do sol se escorre no asfalto grafite e da janela um olhar
translitera este fio de escrita em morse visível quero dizer que
tudo isto é uma tradução um traduzir para um modo sensível onde algo
se encadeie e complete esta mão do jogo quase se perfez e ainda se
pode ver barbarela estorcendo-se num círculo fálico como um xiva
de luz neon pouco se vai aprender nesta anarcopédia de formas
volúveis senão que o vermelho útil funge os nácares cediços

Aula 6 - Afonso Henriques Neto

Dia 22.05 - Ministrante Andréa Catrópa da Silva

Ainda que tendo despontado em meio à efervescência da poesia marginal carioca, Afonso Henriques Neto traz como principal característica a mescla da irreverência típica de sua geração espiritual com elementos oníricos que aproximam sua dicção literária daquela de poetas paulistanos, como Roberto Piva e Claudio Willer. Neste encontro, vamos observar algumas particularidades e desdobramentos de sua obra.

Uma noite

o tio cuspia pardais de cinco em cinco minutos.
esta grama de lágrimas forrando a alma inteira
(conforme se diz da jaula de nervos)
recebe os macios passos de toda família
na casa evaporada
                                  mais os vazios passos
                                  de ela própria menina.
a avó puxava linhas de cor de dentro dos olhos.
uma gritaria de primos e bruxas escalava o vento
                 escalpelava a tempestade
                                   pedaços de romã podre
                                   no bolor e charco do tanque.
o pai conduzia a festa
                                               como um barqueiro
                                               puxando peixes mortos.
nós
    os irmãos
                  jogávamos no fogo
                  dentaduras pétalas tranças
                   fotografias cuspes aniversários
                                                             e sempre
                                                             uma canção
                                                             só cal e ossos
a mãe de nuvem parindo orquídeas no cimento.



contracanto

verdes partos as interiores campinas
ardem em cinzas urbanos fotogramas
seivas claras as fontes do dentro
combustão de mortas naturezas asfaltos
livres tantos pássaros destinos
remorso de gases na poça implacável
puros rubis as pérolas do acaso
pus químico dos adjetivos andaimes
verdes verdes planícies de vento
cinzas cinzas maquetes apartamentos
claridade a flor renascendo silêncio
óleos combustos no suicídio da espécie
abertamente pássaros o ressuscitar oceanos
carcaças em fezes nas poças em gás
puríssimas pérolas na fiandeira infinita
prédios cuspidos pelos venenos em riste

REALISTAS, PEÇAMOS O IMPOSSÍVEL


 (Restos & Estrelas & Fraturas, 1975)


Aula 7 - Armando Freitas Filho


Dia 29.05 - Ministrante: Renan Nuernberger 

Durante a década de 1970, a obra de Armando Freitas Filho passou por transformações que seriam cruciais para sua poética posterior. Sem abdicar de algumas lições construtivistas que nortearam seus primeiros livros, ainda influenciados pela Instauração Práxis, o poeta aproxima-se em certos aspectos da chamada Poesia Marginal em livros como De corpo presente e longa vida, gerando uma poesia bastante pessoal mas afinada com seu momento histórico. Trataremos sobretudo do erotismo que, nos melhores momentos desta poesia, não é apenas temático mas impregna-se na forma "desestabilizando" o rigor dos poemas.


Aula 8 - Ana Cristina Cesar

Dia 12.06 - Ministrante: Annita Costa Malufe

 A poesia de Ana Cristina Cesar (1952-1983) é indissociável do mito romântico que se criou em torno da figura da poeta. Diante de seus poemas, é difícil quem não se pergunte pelo estatuto do “eu”, pelas distâncias e proximidades que se armam entre os sujeitos do enunciado e da enunciação. Verdade ou ficção, máscara ou autobiografia? Quais os limites da representação? São temas dos quais partiremos para nos aproximarmos de uma obra que, embora breve, se tornou uma das fortes referências de nossa poesia contemporânea.





ANA CRISTINA CESAR


In: Antologia 26 poetas hoje (1975) e Cenas de abril  (1979) – trecho:

jornal íntimo
30 de junho
Acho uma citação que me preocupa: “Não basta produzir contradições, é preciso explicá-las”.
De leve recito o poema até sabê-lo de cor. Célia aparece e me encara com um muxoxo inexplicável.
29 de junho
Voltei a fazer anos. Leio para os convidados trechos do antigo diário. Trocam olhares. Que bela alegriazinha adolescente, exclama o diplomata. Me deitei no chão sem calças. Ouvi a palavra dissipação nos gordos dentes de Célia.
27 de junho
Célia sonhou que eu a espancava até quebrar seus dentes. Passei a tarde toda obnublada. Datilografei até sentir câimbras. Seriam culpas suaves. Binder diz que o diário é um artifício, que não sou sincera porque desejo secretamente que o leiam. Tomo banho de lua. [...]


In: Cenas de abril  (1979)

18 de fevereiro
Me exercitei muito em escritos burocráticos, cartas de recomendação, anteprojetos, consultas. O irremovível trabalho da redação técnica. Somente a dicção nobre poderia a tais alturas consolar-me. Mas não o ritmo seco dos diários que me exigem!

16 de junho
Decido escrever um romance. Personagens: a Grande Escritora de Grandes Olhos Pardos, mulher farpada e apaixonada. O fotógrafo feio e fino que me vê pronta e prosa de lápis comprido inventando a ilha perdida do prazer. O livrinho que sumiu atrás da estante que morava na parede do quarto que cabia no labirinto cego que o coelho pensante conhecia. Nessa altura eu tinha um quarto só para mim com janela de correr narcisos e era atacada de noite pela fome tenra que papai me deu.


In: Correspondência completa (1979) – trechos:

Chove a cântaros. Daqui de dentro penso sem parar nos gatos pingados. Me dá uma culpa. Mãos e pés frios sob controle. Notícias imprecisas, fique sabendo. É de propósito? Medo de dar bandeira? Ouça muito Roberto: quase chamei você mas olhei para mim mesmo etc. Já tirei as letras que você pediu.
O dia foi laminha. Célia disse: o que importa é a carreira, não a vida. Contradição difícil. A vida parece laminha e a carreira é um narciso em flor. O que escrevi em fevereiro é verdade mas vem junto drama de desocupado. Agora fiquei ocupadíssima, ao sabor dos humores, natureza chique, disposição ambígua (signo de gêmeos).

[...]

Sonho da noite passada: consultório escuro em obras; homens trabalhando; camas e tijolos; decidi esperar no banheiro, onde havia um patinete, anúncios de pudim, um sutiã preto e outros trastes. De quem seria o sutiã? Ele dormiu aqui? Já nos vimos antes, eu saindo e você entrando? Deitados lado a lado, o braço dele me tocando. Chega para lá (sussurro). Ela deu minha blusa de seda para a empregada. Sem ele não fico em casa. Há três dias que pareço morar onde estou (ecos de Ângela). Aquele ar de desatenção neurológica me deixa louca. Saímos para o corredor. Você vai ter um filhinho, ouviu?


In: Luvas de Pelica (1980) – trechos:

Eu só enjôo quando olho o mar, me disse a comissária do sea-jet.
Estou partindo com suspiro de alivio. A paixão, Reinaldo, é uma fera que hiberna precariamente.
Esquece a paixão, meu bem; nesses campos ingleses, nesse lago com patos, atrás das altas vidraças de onde leio os metafísicos, meu bem.
Não queira nada que perturbe este lago agora, bem.
Não pega mais o meu corpo; não pega mais o seu Corpo.
Não pega.
Domingo à beira-mar com Mick. O desejo é uma pontada de tarde. Brincar cinco minutos a mãe que cuida para não acordar meu filho adormecido. And then it was over. Viajo num minibus pelo campo inglês. Muitas horas viajando, olhando, quieta.


Fico quieta.
Não escrevo mais. Estou desenhando numa vila que não me pertence.
Não penso na partida. Meus garranchos são hoje e se acabaram.
"Como todo mundo, comecei a fotografar as pessoas à minha volta, nas cadeiras de varanda."
Perdi um trem. Não consigo contar a história completa. Você mandou perguntar detalhes (eu ainda acho que a pergunta era daquelas cansadas de fim de noite, era eu que estava longe) mas não falo, não porque a minha boca esteja dura. Nem a ironia nem o fogo cruzado.
Tenho medo de perder este silêncio.

[...]

Estou jogando na caixa do correio mais uma carta para você que só me escreve alusões, elidindo fatos e fatos. É irritante ao extremo, eu quero saber qual foi o filme, onde foi, com quem foi. É quase indecente essa tarefa de elisão, ainda mais para mim, para mim! É um abandono quase grave, e barato.
Você precisava de uma injeção de neo-realismo, na veia.


In: A teus pés (1982)

conversa de senhoras
Não preciso nem casar
Tiro dele tudo que preciso
Não saio mais daqui
Duvido muito
Esse assunto de mulher já terminou
O gato comeu e regalou-se
Ele dança que nem um realejo
Escritor não existe mais
Mas também não precisa virar Deus
Tem alguém na casa
Você acha que ele agüenta?
Sr. Ternura está batendo
Eu não estava nem aí
Conchavando: eu faço a tréplica
Armadilha: louca pra saber
Ela é esquisita
Também você mente demais
Ele está me patrulhando
Para quem você vendeu seu tempo?
Não sei dizer: fiquei com o gauche
Não tem a menor lógica
Mas e o trampo?
Ele está bonzinho
Acho que é mentira
Não começa


duas antigas

I.

Vamos fazer alguma coisa:
escreva cartas doces e azedas
Abre a boca, deusa
Aquela solenidade destransando leve
Linhas cruzando: as mulheres gostam
de provocação
Saboreando o privilégio
Seu livro solta as folhas
            Aí então ela percebeu que seu olho corria veloz pelo
museu e só parava em três, desprezando como uma ignorante
os outros grandes. E ficou feliz e muito certa com a volúpia da
sua ignorância. Só e sempre procura essas frases soltas no seu
livro que conta história que não pode ser contada.
Só tem caprichos.
É mais e mais diária
– e não se perde no meio de tanta e tamanha
companhia.

II.

Eu também, não resisto. Dans mon île, vendo a barca e as gaivotinhas passarem. Sua resposta vem de barca e passa por aqui, muito rara.
Quando tenho insônia me lembro sempre de uma gaffe e de um anúncio do museu: “to see all these works together is an experience not to be missed”. E eu nem nada. Fiz misérias nos caminhos do conhecer. Mas hoje estou doente de tanta estupidez porque espero ardentemente que alguma coisa... divina aconteça. F for fake. Os horóscopos também erram.
Me escreve mais, manda um postal do azul (eu não me espanto).
O lugar do passado? Na próxima te digo quem são os 3, mas os outros grandes... eu resisto.
Não fica aborrecida: beijo político nos lábios de cada amor que tenho.


sete chaves
Vamos tomar chá das cinco e eu te conto minha grande história
passional, que guardei a sete chaves, e meu coração bate
incompassado entre gaufrettes. Conta mais essa história, me
aconselhas como um marechal-do-ar fazendo alegoria. Estou
tocada pelo fogo. Mais um roman à clé?
Eu nem respondo. Não sou dama nem mulher moderna.
Nem te conheço.
Então:
É daqui que eu tiro versos, desta festa – com arbítrio
silencioso e origem que não confesso – como quem apaga
seus pecados de seda, seus três monumentos pátrios, e passa o
ponto e as luvas. 


noite carioca
Diálogo de surdos, não: amistoso no frio.
Atravanco na contramão. Suspiros no contrafluxo. Te apresento a mulher mais discreta do mundo: essa que não tem nenhum segredo.


  

Preciso voltar e olhar de novo aqueles dois quartos
      vazios.




A história está completa: wide sargasso sea, azul
azul que não me espanta, e canta como uma
sereia de papel.




atrás dos olhos das meninas sérias
Mas poderei dizer-vos que elas ousam? Ou vão,
por injunções muito mais sérias, lustrar pecados
que jamais repousam?
(p.23)