domingo, 25 de março de 2012

Aula 5 - Milumtempos de milumpoemas: historicidades distorcidas em Galáxias


Dia 15.05 - Ministrante: Lucius Provase 

O problema da História na Literatura Comparada e na Teoria Literária vai além de contextos históricos distintos que se confrontam em intertextos ou interdiscursos: passa pelo problema de como considerar esses contextos na análise de uma obra, gerando historicidades distorcidas. Galáxias é, certamente, uma das obras que faz dessa dificuldade o cerne de sua escrita e leitura. Analisar a obra-prima de Haroldo de Campos sob o prisma das historicidades distorcidas será o objetivo da aula.


calças cor de abóbora e jaqueta lilás negros de chocolate um matiz
carregado de cacau e esgalguecéleres num passo de zulus guerreiros
ou então uma gravata dourada fosforesce na camisa anil e lapelas amarelas
esquadram um tórax dobradiço de boxeur a massa branca passa a massamédia
vil e taciturna num mesmo coalho cinzaneutro de trajes turvos truncos
e soul brother temple girl soul soul brother soul sister old black
brother manny moe and jack um tufão pugilista esmurrara os prédios na
rua 13 ou na rua 14 e poupara somente as vitrinas de garranchos brancos
think black talk black act black love black economize black politicize
black live black todas as cores rodeiam o sol central furor negro
que transverbera em pantera e as sintetiza de novo em negro pague um
dólar aqui e você verá as duas moças mecânicas minnie branca e gorducha
rubicona em calcinhas de filandras azuis olhibúfala era uma vaca mansa
de peitos pop gigantes gigânteos agitá-los só isso que sabia batedeira
elétrica carambolá-los num bilhar de bólides molas e súbito tesa
pará-los no freio de um joelho metido entresseios ou de quatro quase
no chão deixando-os despencar como úberes ordenháveis para o olhar
urrante e suarento das mesas próximas cara láctea de bebê loiro e franjas
mas a outra jessie a negra tinha malquebros de pantera na pele
tabaco-escura e os dentes de sabre mordiam um guincho sensual no rebôlo
da eletrola vê-la empinar agressiva seu número e riscar o hálito
suspenso dos machos onanizados com saltos de verniz agudo maquilada
de luz a cútis fogo-fátua incandescia carbúnculo-negra negríssima
nigérrima e o biquíni topázio saltava em close-up êmbolo autônomo móbile
tatalava a bengala pendurada pelo cabo no rego do soutien bengalava
titilante jato falo de prata negaceado por um pélvis topázio
o grande nu americano é uma salada de frutas com mamilos de borracha
rosas frescas um tomate-maçã no ventre ligas alfaces verdes e açúcar
e a boca vagino-aberta baton cintilante nos grão-lábios vegetarianos
segal modelou aquele homem de gesso fantasma alvaiade bebendo coca-cola
i'm the only president you’ve got l.b.j. crocodilágrimo metido
na farda de mao-tse-tung ou melhor no bestiário de ramparts mas ele
está também numa vitrina de greenwich sob a tampa de uma privada op
este livro de notas de notas para o livro foi encontrado na cafeteria
de bloomington retifico nos achados e perdidos entre luvas carretéis
e até grampos de cabelo sob o olhar zelador de uma velha matrona
tricotante quando eu já o pensava na poeira dos anéis de saturno
a velhota curiosa não pudera lê-lo meu portulano em lingua morta
por trás do imenso hamburger com chagas de mostarda e ketchup é
possível que se aviste a mandala o om o centro o umbigo de tudo é
possível dançam por isto numa praça do dupont circle a bacante hippie
de trancas sujas e o fauno de calças rancheiras por isto dançam ao
ritmo de bongós vibrados por zulus da rua 13 ou 14 lá pelas quatro da
tarde todas as velhas senhoras solitárias enchem a cara nos escritórios
de washington tulipas nas praças desenhadas vigiam um cio de esquilos



eu sei que este papel está aqui e que não haverá ninguém nenhum outro
nunca nenhures em nenhuma outra parte ninguém para preenchê-lo em meu
lugar e isto poderá ser o fim do jogo mas não haverá prelúdio nem
interlúdio nem poslúdio neste jogo em que enfim estou a sós nada conta
senão esta minha gana de cobrir este papel como se cobre um corpo e
estou só e sôlto nato e morto nulo e outro neste afinal instante lance
em que me entrego todo porque este é o meu troco e são vinte anos vinte
anos luz de jejum e desconto de silêncio e demência deste ponto oco
deste tiro seco abrindo para um beco que se fecha no beco no fio violeta
de um crepúsculo de nuvens ordenhadas vejo tudo e traduzo em escritura
esta fita visível que pende da janela por um aéreo debrum de voltas
remansosas uma casa outra casa o asfalto que desliza por suas raias
grafite esta cidade se esponja como um resto de almoço escorrido em
jornal e no alto se apura em pós e brilhos por um ladrilho de sol
em vidrilhos vibrados esta cidade é um resto é uma cola de outubro
uma goma canicular de envelopes desgrudados e pega neste papel o dócil
papel onde começo meu conto não começo resumo meu espanto num ponto
de papel machucado e sensível como uma ferida de vida aberta e úmida
nada conta senão esta gana esta língua canina áspera que cobre a
ferida de saliva por onde escorre vida e amaranto azul e um prataplenilúnio
infletem nesse fio de vida galinhas depenadas num açougue
de quartos bovinos bicos cristas despencadas entre pele e gordura
amarela agora dentro de uma esfera de plástico irradiante marrom-rubra
enquanto vozes tilintam e o gelo se dissolve em copos de cristal
a moça vem vestida de vidro verde e coloca dois ratinhos brancos num
tufo de pentelhos o livro poderia estar sendo lido agora por uma
voz tão clara que o som gelaria crisálidas de luz lapidada mas tudo
isto não passa do eco fechado na palavra beco e se vai ver não há nada
nada senão papel murcho e marcado papel pisado esfolado pendendo de
um gancho entre esperma e gordura bovina uma prosa feita de limalha de
prosa barbarela guincha tumultulúbrica neste paradiso psicodélico
que confina com um inferno de moscas murchas e borboletas empaladas
borborigmam cores magmárcidas nesta viscosa placenta do nada
medida por um compasso de coxas branquilongas muslos dançarinos
mordidos por bonecas de dentes-de-sabre vampirogulosas bâmbolas bambinas
farejadoras de carne crua e de novo pende a fita luminosa de novo
a lesma do sol se escorre no asfalto grafite e da janela um olhar
translitera este fio de escrita em morse visível quero dizer que
tudo isto é uma tradução um traduzir para um modo sensível onde algo
se encadeie e complete esta mão do jogo quase se perfez e ainda se
pode ver barbarela estorcendo-se num círculo fálico como um xiva
de luz neon pouco se vai aprender nesta anarcopédia de formas
volúveis senão que o vermelho útil funge os nácares cediços

Nenhum comentário:

Postar um comentário