Dia 22.05 - Ministrante Andréa Catrópa da Silva
Ainda que
tendo despontado em meio à efervescência da poesia marginal carioca, Afonso
Henriques Neto traz como principal característica a mescla da irreverência
típica de sua geração espiritual com elementos oníricos que aproximam sua
dicção literária daquela de poetas paulistanos, como Roberto Piva e Claudio
Willer. Neste encontro, vamos observar algumas particularidades e desdobramentos
de sua obra.
Uma noite
o tio cuspia
pardais de cinco em cinco minutos.
esta grama de
lágrimas forrando a alma inteira
(conforme se
diz da jaula de nervos)
recebe os
macios passos de toda família
na casa
evaporada
mais os
vazios passos
de ela
própria menina.
a avó puxava
linhas de cor de dentro dos olhos.
uma gritaria
de primos e bruxas escalava o vento
escalpelava a tempestade
pedaços de
romã podre
no bolor e
charco do tanque.
o pai conduzia
a festa
como um barqueiro
puxando peixes mortos.
nós
os irmãos
jogávamos no fogo
dentaduras pétalas tranças
fotografias cuspes
aniversários
e
sempre
uma canção
só cal e ossos
a mãe de nuvem
parindo orquídeas no cimento.
contracanto
verdes partos as interiores campinas
ardem em cinzas urbanos fotogramas
seivas claras as fontes do dentro
combustão de mortas naturezas asfaltos
livres tantos pássaros destinos
remorso de gases na poça implacável
puros rubis as pérolas do acaso
pus químico dos adjetivos andaimes
verdes verdes planícies de vento
cinzas cinzas maquetes apartamentos
claridade a flor renascendo silêncio
óleos combustos no suicídio da espécie
abertamente pássaros o ressuscitar oceanos
carcaças em fezes nas poças em gás
puríssimas pérolas na fiandeira infinita
prédios cuspidos pelos venenos em riste
REALISTAS, PEÇAMOS O IMPOSSÍVEL
(Restos & Estrelas & Fraturas, 1975)
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