domingo, 25 de março de 2012

Aula 6 - Afonso Henriques Neto

Dia 22.05 - Ministrante Andréa Catrópa da Silva

Ainda que tendo despontado em meio à efervescência da poesia marginal carioca, Afonso Henriques Neto traz como principal característica a mescla da irreverência típica de sua geração espiritual com elementos oníricos que aproximam sua dicção literária daquela de poetas paulistanos, como Roberto Piva e Claudio Willer. Neste encontro, vamos observar algumas particularidades e desdobramentos de sua obra.

Uma noite

o tio cuspia pardais de cinco em cinco minutos.
esta grama de lágrimas forrando a alma inteira
(conforme se diz da jaula de nervos)
recebe os macios passos de toda família
na casa evaporada
                                  mais os vazios passos
                                  de ela própria menina.
a avó puxava linhas de cor de dentro dos olhos.
uma gritaria de primos e bruxas escalava o vento
                 escalpelava a tempestade
                                   pedaços de romã podre
                                   no bolor e charco do tanque.
o pai conduzia a festa
                                               como um barqueiro
                                               puxando peixes mortos.
nós
    os irmãos
                  jogávamos no fogo
                  dentaduras pétalas tranças
                   fotografias cuspes aniversários
                                                             e sempre
                                                             uma canção
                                                             só cal e ossos
a mãe de nuvem parindo orquídeas no cimento.



contracanto

verdes partos as interiores campinas
ardem em cinzas urbanos fotogramas
seivas claras as fontes do dentro
combustão de mortas naturezas asfaltos
livres tantos pássaros destinos
remorso de gases na poça implacável
puros rubis as pérolas do acaso
pus químico dos adjetivos andaimes
verdes verdes planícies de vento
cinzas cinzas maquetes apartamentos
claridade a flor renascendo silêncio
óleos combustos no suicídio da espécie
abertamente pássaros o ressuscitar oceanos
carcaças em fezes nas poças em gás
puríssimas pérolas na fiandeira infinita
prédios cuspidos pelos venenos em riste

REALISTAS, PEÇAMOS O IMPOSSÍVEL


 (Restos & Estrelas & Fraturas, 1975)


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