domingo, 25 de março de 2012

Aula 9 - Cacaso

Dia 19.06 - Ministrante: Carlos Frederico Barrère Martin



Arguto leitor dos poetas modernistas, Cacaso deixa vazar em sua obra diálogos e mais diálogos com a tradição literária. Um deles sobressai pela singularidade com que é colocado em poemas como "O pássaro incubado" e "Cartilha". A conversa de Cacaso com a poesia de João Cabral de Melo Neto é reveladora dos procedimentos que são caros ao poeta da chamada Poesia Marginal. O objetivo de nossa aula é fazer uma leitura da poesia de Cacaso tomando por base o diálogo entre ele e o poeta engenheiro.

O PÁSSARO INCUBADO
O pássaro preso na gaiola
é um geógrafo quase alheio:
Prefere, do mundo que o cerca,
não as arestas: o meio.
É isso que o diferencia
dos outros pássaros: ser duro,
Habita cada momento
que existe dentro do cubo.
Ao pássaro preso se nega
a condição acabado.
Não é um pássaro que voa:
É um pássaro incubado.
Falta a ele: não espaços
nem horizontes nem casas:
Sobra-lhe uma roupa enjeitada
que lhe decepa as asas.
O pássaro preso é um pássaro
recortado em seu domínio:
Não é dono de onde mora,
nem mora onde é inquilino.
RIO, 1963.
(A palavra cerzida, 1967)


 CARTILHA
a
Não quero meu poema apenas pedra
nem seu avesso explicado
nas mesas de operação.
e
Não quero os sóis que praticam
as mil fotos do objeto, a noite sempre
nascendo da noite em revelação.
Preciso
da palavra que me vista não
             da memória do susto
mas da véspera do trapezista.
i
A sede neste deserto
não me conduz ao mirante, ou antes:
            olho selvagem.
A sede ultrapassa a sede onde
renasce o objeto, sua
                resposta miragem.
o
Há seres insuspeitados no gênio
deste cavalo.
A lucidez desta pedra oculta cada
manhã
seu cadáver delicado, este mistério
que pulsa nos olhos da borboleta.
u
Quero meu poema apenas pedra:
ou seu fantasma emergindo
por onde dentros e foras.

(Grupo escolar, 1974)


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