Arguto leitor dos poetas modernistas,
Cacaso deixa vazar em sua obra diálogos e mais diálogos com a tradição
literária. Um deles sobressai pela singularidade com que é colocado em poemas
como "O pássaro incubado" e "Cartilha". A conversa de
Cacaso com a poesia de João Cabral de Melo Neto é reveladora dos procedimentos
que são caros ao poeta da chamada Poesia Marginal. O objetivo de nossa aula é
fazer uma leitura da poesia de Cacaso tomando por base o diálogo entre ele e o
poeta engenheiro.
O PÁSSARO
INCUBADO
O pássaro preso
na gaiola
é um geógrafo
quase alheio:
Prefere, do
mundo que o cerca,
não as arestas:
o meio.
É isso que o
diferencia
dos outros
pássaros: ser duro,
Habita cada
momento
que existe
dentro do cubo.
Ao pássaro preso
se nega
a condição
acabado.
Não é um pássaro
que voa:
É um pássaro
incubado.
Falta a ele: não
espaços
nem horizontes
nem casas:
Sobra-lhe uma
roupa enjeitada
que lhe decepa
as asas.
O pássaro preso
é um pássaro
recortado em seu
domínio:
Não é dono de
onde mora,
nem mora onde é
inquilino.
RIO, 1963.
(A palavra cerzida, 1967)
a
Não quero meu
poema apenas pedra
nem seu avesso
explicado
nas mesas de
operação.
e
Não quero os
sóis que praticam
as mil fotos do
objeto, a noite sempre
nascendo da
noite em revelação.
Preciso
da palavra que
me vista não
da memória do susto
mas da véspera
do trapezista.
i
A sede neste
deserto
não me conduz ao
mirante, ou antes:
olho selvagem.
A sede
ultrapassa a sede onde
renasce o
objeto, sua
resposta miragem.
o
Há seres
insuspeitados no gênio
deste cavalo.
A lucidez desta
pedra oculta cada
manhã
seu cadáver
delicado, este mistério
que pulsa nos
olhos da borboleta.
u
Quero meu poema
apenas pedra:
ou seu fantasma
emergindo
por onde dentros e foras.
(Grupo escolar, 1974)
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